Dueto para Um é a tradução livre do título do longa-metragem Duet for One (1986), que em português foi erroneamente entitulado como Sede de Amar, em um filme onde o amor passa longe de ser o tema principal do enredo.
Nos primeiros planos, somos levados a um tour pela cidade de Londres, conduzidos até o Albert Hall, onde temos o primeiro contato, ainda que indiretamente, com a protagonista do enredo, Stephanie Anderson, uma violinista mundialmente famosa que dentro de alguns dias deverá se apresentar naquele local.
Em contraste com a imagem do cartaz do concerto, ao qual somos apresentados instantes antes, nos deparamos com a personagem em sua primeira sessão com um psicoterapeuta, interpretado por Max Von Sydow, e que logo estabelece uma capacidade dúbia de analisar sua paciente, ao revelar-se admirador do talento de Stephanie (e de seu marido). Os tons frios e sombrios do consultório terapêutico definem a carga emocional que tornearão os diálogos entre médico e paciente, e servem como base para ilustrar o peso dos dilemas acerca da personagem, os quais são esclarecidos logo em seguida.
“I’m in this chair because I’ve got multiple sclerosis!”
Stephanie é acometida pela esclerose múltipla, uma doença degenerativa em diferentes graus de complexidade. Para ela, o desespero imediato é saber que seus dias estão contados, musicalmente falando. Não há como prever até quando ela poderá continuar tocando o instrumento, algo que ela tem feito desde os quatro anos de idade, quando ganhou seu primeiro violino de presente do avô.
“Do you have it still?”
“No, that one burst into flames in the blitz in 1944. It burst into flames right before my eyes, I literally had to be dragged out of the house, the whole place came crumbling down about me. My mother was in it. I cried more about the violin than I did about her, can you believe that?
Anyway, when I recovered enough to feel anything at all, I realized it wasn’t the violin I needed, but the music itself. Playing the music itself. And I hadn’t lost that, at least not yet.”
Mas, mais do que a música, a doença é quase uma corrosão que afeta diretamente a forma como Stephanie se relaciona com as pessoas ao seu redor: seu marido, seu pupilo, seus amigos, seu psicoterapeuta – e isto é o que testemunhamos ao decorrer do filme.
Seu marido David Cornwallis (interpretado por Allan Bates), por exemplo, a quem Stephanie deposita uma dependência capaz de superar notórios casos extra-maritais (“I was wondering what else do you know about me, that I don’t know you know about me”, questiona o marido, ao passo que Stephanie responde, “the thing is, nothing can change what we have together), é quem sugere que ela procure o auxílio de um Louis Feldman, livrando-se assim, de sua própria inabilidade de lidar com a doença, com as suas conseqüências, deixando a “batata quente” nas mãos do psicoterapeuta. E, não obstante, o marido ainda lhe imprime um último golpe, ao declarar-se apaixonado por Jenny, sua secretária.
Outro golpe é assistir o seu pupilo Constantine Kassanis, interpretado por Rupert Everett, a quem Stephanie deposita votos de um futuro extremamente promissor, decidir partir para os Estados Unidos e assim desperdiçar seu talento tocando o instrumento no Caesar Palace em Las Vegas.
Aos poucos, como uma bola de neve, assistimos toda a raiva e frustração da violinista chegar a um ápice, onde a sua deteriorização emocional culmina em uma desesperada tentativa de suicídio.
No ano seguinte, no dia do seu aniversário, assistimos Stephanie observando por um instante, a vida de todos prosseguir sem a sua presença, e retornando a antiga árvore – tão representativa de sua juventude e do seu casamento - que no inverno sem suas folhas e frutos, parece morta, mas ainda vive, testemunhamos a sua aceitação diante do fato de que o seu dueto foi feito para ser tocado sozinha.
A heroína trágica, que por diversas vezes usa a revolta de sua doença para destilar uma porção de comentários pungentes, em meio a sorrisos tortuosos e perturbadores, permite com que nos deparemos com sentimentos como raiva, amargura, resignação, senso de perda e frustração. Mas são em instantes como estes, ''Why should I die such a horrible death? Was I so terrible? Was this music so terrible?'', é que se torna impossível não salutar a atuação de Julie Andrews, no que ficou registrada em inúmeros veículos como uma das melhores atuações – senão a melhor – de sua carreira.
Como conjunto de obra no que concerne a aspectos técnicos, o filme não é lá essas coisas. Apesar de sensível, tem uma direção inconsistente e o roteiro é cheio de artifícios; Mas em seus diálogos, Andrews demonstra uma profundidade em sua atuação dramática jamais vista pelos espectadores, que talvez tenham tido tremenda dificuldade em separar a imagem tão bem conhecida de Julie como “musical star,” da imagem de atriz cujo anos de profissão finalmente culminam em um amadurecimento mais que bem vindo. Aqui, Julie faz parecido com o que faz em seus musicais – toma conta do centro do palco, e com um desempenho comedido, realista, e acima de tudo, corajoso, transpassa os limites ao transformar Sede de Amar em um veículo para expor esse amadurecimento como atriz, de maneira que todos os outros personagens passam a ser figuras meramente secundárias, e que o material do filme pareça superior do que realmente é.
Julie foi indicada a um Golden Globe por sua atuação em Sede de Amar, mas em um ano onde a Academia indicou Sigourney Weaver por Alien e Jane Fonda por The Morning After, torna-se difícil compreender a ausência do seu nome na lista de atrizes concorrendo ao Oscar de Melhor Atriz.
A jornada a qual somos obrigados a embarcar com Stephanie em Sede de Amar é árdua e não há redenção, mas configura-se como uma catarse, que nos leva a aceitação sobre a verdade do nosso derradeiro fim.
Ficha Técnica:
Direção por Andrei Konchalovsky;
Roteiro por Tom Kempinski, Jeremy Lipp e Mr. Konchalovsky, baseado na peça escrita por Mr. Kempinski;
Diretor de Fotografia: Alex Thomson;
Editado por Henry Richardson;
Produzido por Menahem Golan e Yoram Globus;
Distruibuido pelo The Cannon Group Inc. At Cinema 1, Third Avenue at 60th Street.
Tempo de Duração: 107 minutes.
Stephanie Anderson...Julie Andrews
David Cornwallis...Alan Bates
Dr. Louis Feldman...Max von Sydow
Constantine Kassanis...Rupert Everett
Sonia Randvich...Margaret Courtenay
Penny Smallwood...Cathryn Harrison
Leonid Lefimov...Sigfrit Steiner
Totter...Liam Neeson
Anya...Macha Meril
Mrs. Burridge...Janette Newling
Aos interessados, o
Telecine Cult irá reprisar o filme amanhã (sexta-feira, 11/03, às 15:55 - horário de Brasília), e aos que tiverem interesse, mas não puderem assistir na TV, cliquem
AQUI e sigam os links das outras partes.
P.S.: Muito obrigada, querida Julie, por ter me tirado o pior writer's block dos últimos tempos!