Um ano depois e aqui estamos, hein?
De tempos em tempos um burburinho surge por aqui e por ali, e assim vamos levando. Não pensem vocês que eu pretendo abandonar o meu cantinho, pois eu o amo de todo o coração, assim como sou extremamente grata àqueles que se dão a importância de vir aqui e não somente ler as minhas pequenas contribuições, mas que fazem questão de se manifestar - seja de forma positiva ou não - e que, consequentemente, me deixam muito feliz.
Mas sentimentalismo a parte, vamos às celebrações...
As produções de musicais mais memoráveis, monumentais, e por conseqüência, mais bem sucedidas, foram aquelas produzidas durante a “era de ouro dos musicais”, datada do final da II Guerra Mundial até os primeiros anos da década de sessenta.
Entretanto, o declínio econômico durante a década de setenta alterou o destino de muitas produções cinematográficas do gênero. Não obstante a falta de verba para investir em longas, cujos orçamentos seriam exorbitantes, tornava-se cada vez mais difícil de encontrar material para atrair o público jovem às salas de cinema.
A salvação estaria nas mãos de jovens diretores que aos poucos iriam reinventar os gêneros cinematográficos, introduzindo ao público nomes como o de Stanley Kubric, explorando a ultraviolência em A Laranja Mecânica; Francis Copolla, que com o filme O Poderoso Chefão, deixou um marco absoluto e irrevogável na história da sétima arte; Steven Spielberg, com o seu assustador Tubarões; Martin Scorsese com Taxi Driver; Woody Allen, que se popularizou com o inesquecível Noivo Neurótico, Noiva Nervosa; e George Luca, com o arrebatador Guerra nas Estrelas. Quanto aos que persistiram na idéia dos musicais, e que atingiram o sucesso, podemos citar Bob Fosse, que trouxe uma roupagem distinta à “Cabaret”, lançado em 1972.
Diferente dos musicais que eram apresentados até então, Fosse soube distinguir a trama da musicalidade do filme, eliminando qualquer possibilidade de pieguice relacionada aos números musicais. Mais tarde, Fosse repetiria a dose com o autobiográfico “All That Jazz – O Show Tem Que Continuar”. Em 1978, outro diretor obteve grande sucesso, principalmente no que concernem os valores de arrecadação de bilheteria: Randal Kleiser filmou Grease, estrelado por Olivia Newton-John e John Travolta, com um orçamento de seis milhões de dólares, e obteve um retorno cuja somatória fora de trezentos e sessenta milhões de dólares, provando que, quando em contexto relevante ao público, o espectador ainda se mostra “perdidamente devotado” aos musicais.
Quando a década de 80 chegou, com ela chegaram uma porção de tentativas infelizes, geralmente encabeçadas por diretores que pouco entendiam da arte de criar e filmar musicais. Entretanto, enquanto esses diretores fracassavam, uma mente fervilhante com idéias inteligentes e pra lá de controversas, trabalhava incessantemente.
Seu conceito era polêmico: uma mulher, em meio ao cenário parisiense da década dos trinta, fingindo ser um homem, que fingia ser uma mulher. Confuso? Talvez; Mas era ali que repousava a promessa de um musical espirituoso e arrebatador, pronto para garantir seu lugar incontestável entre os musicais da história do cinema.
Unidos em Filmes e Matrimônio
"'Bout twenty years ago, way down in New Orleans California, a group of fellas people - named Blake Edwards, Julie Andrews and cia - found a new kind of music musical, and they decided to call it Jazz Victor/Victoria, no other sound has what this music musical has..."
Quando Blake Edwards e Julie Andrews se uniram no matrimônio, surgiu dali uma sucessão de filmes – alguns muito bons e dignos de nota; outros, nem tanto. E assim que Blake resolveu adaptar o filme alemão, “Viktor und Viktoria”, lançado em 1933, não haveria dúvidas com relação a quem seria a sua protagonista.
A história, que abriu precedentes para uma temática abertamente gay, conta como a maior Drag Queen de toda a Europa, é, na verdade, uma mulher que finge ser um homem, fingindo ser uma mulher.
---
Victoria Grant é uma soprano que não tem carreira, nem um lar que se preze, tampouco uma família. Beirando o desespero, vai a um teste para ser cantora do cabaret Chez Lui, onde é dispensada por parecer uma freira tentando se disfarçar como prostituta. É neste mesmo Cabaret que seu futuro amigo e promoter, Carroll “Toddy” Todd (Robert Preston), se apresentava antes de ser demitido por ter arranjado briga no estabelecimento.
Mais tarde, naquela mesma noite, ambos se encontram em um restaurante Parisiense, onde Victoria planeja colocar uma barata em meio a sua salada, para que ela não tenha que pagar a conta. Como é de se imaginar, o plano dá errado, o caos se instala no local, e ambos fogem, passando a noite no apartamento de Toddy. No dia seguinte, Richard, seu ex-namorado, aparece para buscar suas coisas e, ao lhe ofender, recebe uns bons ponta-pés dados por Victoria, que está vestida com as suas roupas, pois seu vestido havia encolhido durante a noite.
É diante dessa visão que Toddy tem a brilhante idéia - Victoria se transformará em uma Drag Queen, e ele, em seu suposto amante. Nasce então Conde Victor Grazhinski, que em pouco tempo se torna a sensação do momento. O único que se recusa a acreditar em toda essa farsa é King Marchand (James Garner) - um gangster que é dono de uma casa de show em Chicago - que por se sentir atraído por “Victoria”, se recusa a acreditar que ela seja “Victor”. Então, após se livrar de sua irritante namorada Norma Cassidy (Lesley Ann Warren), Marchand começa a investigar Victoria.
No corte original do filme, temos Marchand declarando momentos antes de beijar Victoria, que não se importa que ela seja um homem, mas Blake Edwards, que era visto como “persona non grata” pela indústria, achou prudente construir (de última hora, diga-se de passagem) uma cena que deixasse explícito aos espectadores, que os avanços entre o relacionamento de Victoria e Marchand só ocorrem uma vez que o mesmo tem a confirmação que Victoria é uma mulher.
É a partir de então que surgem alguns entraves que levam Victoria a ponderar sobre o que ela realmente deseja para si: se prefere ser verdadeira consigo mesma, desistindo, desta maneira, de sua fama e carreira recém-construída, para poder se relacionar livremente com o homem que ela ama; Ou se prefere continuar levando essa farsa em frente, conquistando o estrelato, porém arriscando perder Marchand.
Como pode se perceber, a trama não poupa em abordar abertamente o mundo homossexual, tendo, de sobra, personagens gays rodeando o filme – desde drag queens às lésbicas matronas. Ainda que de maneira um pouco caricata, o filme levanta questões acerca de nossas indagações íntimas em face dessas transformações culturais, além da maneira a qual encaramos este debate. Mas, mais que uma premissa considerada um tanto quanto provocativa para a época, é a graciosidade do musical que precisa ser discutida.
Blake Edwards, similarmente a Bob Fosse, não segue o padrão de montagem do gênero: enquanto muitos musicais sacrificam o desenvolvimento da história, compensando essas lacunas com números musicais ou de balé, que fatalmente imolam parte da continuidade do longa-metragem, em Victor/Victoria, as canções, cuja autoria é de Henry Mancini em parceria com Leslie Bricusse, se encaixam perfeitamente, simplesmente por pertencerem aos números relacionados às cenas que se passam no Cabaret.
(Como eu sou verdadeiramente apaixonada por musicais, essa escolha de construção da história não possui extrema relevância pra mim.)
Seja com o abre-alas do filme, “Gay Paree”, interpretada por Preston, que com seu método cantar-falado percorre a sátira da vida parisiense com muita graça; ou com o carro-chefe, “Le Jazz Hott”, que fala de um ritmo novo e quente; ou na melancólica, porém comovente “Crazy World”, temos musicalidade e trama percorrendo lado a lado.
Duas décadas após o lançamento de Mary Poppins e A Noviça Rebelde, Julie Andrews finalmente encontra uma personagem capaz de dismistificar a imagem de boa moça, garantindo seu título de ícone gay. Ela tinha 47 anos na época em que o filme foi rodado, e se mostrava exuberante, exibindo o melhor de suas habilidades, como excelente cantora e “entertainer”, garantindo-lhe uma indicação de Melhor Atriz ao Golden Globe Awards, ao qual saiu como vencedora, e a sua terceira indicação ao Academy Awards, que perdeu, assim como qualquer outra concorrente perderia, para Meryl Streep em A Escolha de Sofia.
Se sua parceria com Robert Preston dão graciosidade e charme ao filme, alguém digna de nota é Lesley Ann Warren, que rouba o show com uma participação consideravelmente pequena, e que cuja contribuição cômica é sem comparação.
Aliás, se Victor/Victoria permanece como um dos grandes destaques do gênero, é graças a essa combinação de genialidade e talento. O filme é um triunfo comunitário, decorrente dos esforços de Blake Edwards, Henry Mancini, Julie Andrews, Robert Preston, James Garner e Lesley Ann Warren.
Afinal de contas, é com eles que nos divertimos ao aprender um pouco mais sobre a imprevisibilidade que é o amor, em verdadeira celebração musical!