Eles não são longos, os dias de vinho e rosas.

quarta-feira, 1 de junho de 2011
Eles não são longos, os dias de vinho e rosas.

A linha tênue que separa um hábito ordinário e/ou inofensivo de um vício pode parecer insignificante, mas na prática, a tarefa de saber distinguir um do outro se configura como um verdadeiro desafio, no qual as personagens do longa-metragem dirigido por Blake Edwards, "The Days of Wine and Roses" (1962), são obrigados a enfrentar.

No roteiro escrito por James P. Miller, adaptado de um dos mais aclamados episódios (de título homônimo) da série Playhouse 90, que foi ao ar em 1958 pela emissora CBS, narra a dinâmica de Joe Clay, que trabalha com relações públicas na cidade de São Francisco e nutre o hábito de beber socialmente durante as empreitadas que o seu emprego “demanda”, e sua esposa Kirsten.

“Look at me! Look at you. You're a bum. Look at you. And look at us. Look at us. C'mon look at us! See? A couple of bums.”

Diante da insatisfação pessoal de exercer uma função que não condiz com a sua profissão, Clay embarca rumo à decadência, e arrasta consigo a companheira a quem induziu ao vício, e que ateia fogo acidentalmente em seu apartamento durante o primeiro de uma longa série de estupores alcoólicos que estão por vir.

“You remember how it really was? You and me and booze - a threesome. You and I were a couple of drunks on the sea of booze, and the boat sank.”

A nós só nos cabe acompanhar a tortuosa trajetória do casal em face às terríveis conseqüências do vício, das tristes tentativas de retorno à sobriedade, e de uma trágica história de amor que está fadada a um final sem redenção, já que o amor de ambos pela garrafa se sobressai em relação ao amor que um tem pelo outro.

Diante de mensagens e dinâmicas tão evidentes, só nos resta ceder à lição moral aplicada. O vício, do chocolate às drogas, por definição literal, é uma tendência maléfica e sem sutilezas. Curiosamente, temos como exemplo os próprios protagonistas da história, Jack Lemmon e Lee Remick, assim como o diretor Blake Edwards, que enxergaram apropriadamente a experiência cinematográfica mais como uma catarse do que um melodrama cujo princípio é de incitar cargas acusativas, que lhes induziu a procurar a ajuda necessária para abandonar seus respectivos vícios.

E ao falar dos astros e estrelas, vale comentar que foi neste filme que se deu início a parceria profissional entre Jack Lemmon e Blake Edwards, que se estendeu por mais dois filmes, sendo estes "The Great Race" de 1965, e "That’s Life" de 1986. Blake foi indicado à direção do filme pelo próprio Lemmon, que acreditava na habilidade de Edwards de prover certos tons de humor à história – muito bem colocados, a propósito, tendo em conta que se mal executada, a façanha pode servir apenas como distração do plano principal.

Há quem diga que a idéia da dupla era usar o longa-metragem como veículo para provar a sensibilidade de ambos, ator e diretor, além da comédia, gênero pelo qual os dois se tornaram populares. Mas verdade seja dita, se esta era a verdadeira intenção, deve-se levantar bandeira branca e comemorar o tal feito, pois foi o projeto foi realizado com grande felicidade.

Blake propõe uma direção linear, desprovida de truques e artifícios, sensível o suficiente para fazer jus ao enredo e as personagens, completando as lacunas que haviam sido deixadas no roteiro durante o processo de adaptação; Jack Lemmon, por sua vez, injetou traços levemente cômicos a Joe Clay, com características por hora afetuosas, repetentes ou cruéis, eliminando qualquer dúvida relacionada à sua capacidade como ator dramático. Isso sem falar em Lee Remick, que dá voz aos tormentos de Kirsten, ou ainda, de seus atores secundários, que ajudam a ilustrar esta narrativa sobre um vício maldito e dias de vinho e de rosas.

"The Days of Wine and Roses" recebeu cinco indicações ao Oscar de 1963, vencendo a categoria de melhor canção, composta por Henry Mancini e Johnny Mercer.

They are not long, the weeping and the laughter,
Love and desire and hate:
I think they have no portion in us after
We pass the gate.
They are not long, the days of wine and roses:
Out of a misty dream
Our path emerges for a while, then closes
Within a dream.
- by Ernest Dowson

7 comentários:

  1. Anonymous disse...:

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    Anônimo disse...Lorena minha querida, viva voce por resgatar este (quase) esquecido filme da prateleira das nossas memórias... eu particularmente, considero uma obra-prima, um dos melhores de Blake... Lemmon está fantástico... e Lee Remick, minha querida Lee Remick (a assisti numa "Gala" de "Follies" - cantando e bailando - linda!). Nao podemos esquecer de Charles Bickford - o ex-gala de Garbo em Anna Christie e empresário de Judy/Vicky Lester em "A Star is born" - magnífico! Talvez o melhor ator do filme - aquele homem amargurado que engole, engole, engole... e sofre, sofre, sofre... Lorena querida, valeu esta postagem para o feriado!
    Beijos
    Ricardo
    P.S. Vou meu comentário sobre voce no "Grupo de blogs do Cinema Clássico"?????

  1. Oi, Lorena!

    Somo minha voz à do Ricardo para comemorar seu retorno ao Burburinho (preciso dizer que adorei a foto vintage que você escolheu pra abri-lo). Nunca vi este filme nem havia ouvido falar a respeito. Sua ótima resenha é mais que uma indicação, então o verei (estou trabalhando para superar minha resistência aos filmes que narram processos de auto-destruição...). Com Blake e Tony Curtis, Mancini e Mercer, não dá pra errar, né?

    Bjs e cuide-se. E, please, volte a visitar meu blog. Sua leitura e comentários estão fazendo falta por lá.

    Dani

  1. Oie, Lorena!

    Querida, boa sorte nas correrias da vida e que todos os problemas relacionados a sua família sejam resolvidos! Quando você puder, preciso de sua ajuda: como é que faz para incluir uma página sem data dentro do blog, como você fez (já tentei mil vezes mas sem sucesso).

    Bjinhos. Adorei seu comentário no Filmes, filmes, filmes! Vou respondê-lo agora. Tô na torcida pra que você consiga retornar mais vezes aqui e lá.

    Dani

  1. Lorena, deu certo o esquema que você me ensinou! Brigadão.

    bjinhos. Cuide-se bem.
    Dani

  1. Anonymous disse...:

    Oi, Lorena. Só hoje descobri seu excelente blog. Se aonda houver tempo, por favor, vote na enquete do meu blog Cinewesternmania. A enquete se encerra amanhã. É só votar em cinco dos 50 westerns listados no rodapé do blog. Indiquei você para ser a homenageada do mês pela Carla Marinho, mas tenho certeza que você já foi homenageada. Lorena é o título de uma linda canção da época da Guerra da Secessão Norte-Americana e toca no filme "Rastros de Ódio". Você deve conhecer essa obra-prima de J. Ford. Parabéns pelo blog. - Darci Fonseca (Cinewesternmania)

  1. Tany. disse...:

    Eu sempre fico muito curiosa pra assistir os filmes que você comenta porque eu adoro como você fala deles, mas sem jogar nenhum spoiler.. Mas por algum motivo esse filme se destacou pra mim e eu estou com a maiooor vontade de assistir esse filme. Me lembra de me passar quando eu for te visitar essa semana.

  1. Oi, Lorena, gosta da Dietrich? Apareça.
    Abração

    O Falcão Maltês

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