(Re)Nasce Uma Estrela (1954)

terça-feira, 10 de agosto de 2010
Quantos momentos cinematográficos permanecem indeléveis a nossa memória, distintos e únicos? Eu sei que já fiz essa pergunta em algum outro post, e que esse é um tema que eu poderia passar meses discutindo, pois a lista interminável. Aliás, poderia facilmente começar pelo meu filme e musical favorito de todos os tempos, "A Noviça Rebelde", mas isso é burburinho para outra hora e oportunidade.

Hoje estou aqui para falar de um filme – um musical, que para aqueles que não sabem, é provavelmente meu gênero cinematográfico preferido – cuja importância para a carreira de Judy Garland foi imenso, nos mais diversos aspectos.


Nasce Uma Estrela (1954) surgiu quando o produtor Sid Luft, que na época era casado com Judy Garland, propôs ao diretor George Cukor, a idéia de realizar um “remake” do filme original lançado em 1937, tendo sua esposa como “leading lady.” Anteriormente Cukor havia declinado o convite de dirigir a versão de 1937, por achar que a história era muito semelhante a de seu próprio filme lançado em 1932, chamado “What Price Hollywood?”

Mas desta vez a proposta havia sido tentadora demais para ser recusada – além do “remake” ter sido seu primeiro musical e longa-metragem filmado em tecnologia “technicolor”, ele estaria na companhia de dois gigantes: Moss Hart, roterista do filme, a quem podemos relembrar como diretor do igualmente maravilhoso musical “My Fair Lady”, e a grande protagonista, para qual este remake estava sendo feito, Judy Garland.



As filmagens iniciaram-se em outubro de 1953 e Cukor teve que lidar com o lado obscuro de estar lado a lado com uma estrela. Judy não trabalhava há quatro anos e sua dependência ao álcool se tornava inegável à indústria, de maneira que seu comportamento “on-set”, junto ao seu comprometimento se tornava pouco confiável. Não obstante, Garland sofria com o famoso, porém detestável, efeito “sanfona”, emagrecendo e ganhando peso com freqüência, além de enfrentar outras questões psicológicas.


Sendo assim, seria redundante dizer que a produção do filme, que durou em torno de dez meses, não foi o que chamaríamos de mar-de-rosas. Contudo, é válido acrescentar que “Nasce Uma Estrela” é de Judy Garland, por direito e merecimento. Não por ter não ter tido um elenco sólido e competente, ou por  ter interpretado todas as canções da fabulosa trilha-sonora, e ainda por ter seu marido como produtor do longa-metragem; pelo contrário, como verdadeira “tour-de-force”, Judy deu um show e o transformou no melhor filme de sua carreira, através de uma atuação intensa, carregada de um “jê nes sais quois” que transcende as barreiras do tempo e reafirma o que já sabíamos: Judy Garland era uma estrela, capaz de criar aquele momento o qual eu havia mencionado anteriormente, que se torna inapagável em nossas memórias.


Certamente a cena preferida pela maioria é onde Esther Blodgett (Judy Garland) canta a inesquecível “The Man That Got Away” em um bar de segunda, mas a minha escolha é a cena onde acompanhamos o oficial adeus à Esther e damos um “hello” ao começo de carreira de Vicky Lester, com a sua estréia cinematográfica. A sequência ilustra toda a capacidade vocal de Judy Garland, e reafirma sua qualidade como grande “entertainer”, conferindo-lhe ainda o direito de ter sido a grande vencedora do Academy Awards, ao qual ela foi indicada como Melhor Atriz in a Leading Role; direito este que lhe foi tirado por Grace Kelly, que levou a estatueta por sua atuação em “The Country Girl”. (Nada contra Grace ou o filme, que a propósito, ainda não assisti)

À nível de curiosidade, a sequência a qual me refiro foi uma das últimas cenas a serem acrescentadas ao filme, visto que os chefões da Warner Bros. Studios alegavam que até então, não estava claro que Vicky Lester havia se tornado uma estrela. Nela, passamos a ver um rápido filme dentro do filme, onde Judy interpreta o medley de “Born in a Trunk,” cuja duração é de mais ou menos 10 minutos no longa-metragem de estréia de Vicky.


Mais que o grande número de balé realizado durante esta cena, que era tão característico dos musicais produzidos pela MGM, é preciso falar da música. “Born in a Trunk”, cuja letra e música foram compostas por Roger Edens e Leonard Gershe, é um resumo da personagem que Vicky está interpretando em seu musical. A história é de uma moça que nasceu e cresceu nos bastidores de um teatro, graças aos pais que eram artistas, sendo testemunha do suor, dedicação e trabalho que o ofício requer. 

Em seguida, trechos da canção "I’ll Get By", do Roy Turk e Fred E. Ahlert (que a propósito, foi cantada por Marilyn Monroe quando ela esteve no Actors Studio, e que de acordo com relatos, emocionou a platéia) é cantado de maneira a dar continuidade na narração da biografia da personagem.

Trecho de "I’ll get By" 
“Eu aprendi rapidamente os truques do negócio, e ficava ensaiando após todos terem ido embora. Com os truques, eu aprendi sobre tradições, e a mais difícil delas é saber que, apesar de tudo, o show deve continuar."


Depois temos “You Took Advantage of Me”, composta por outra dupla preferida, Lorenz Hart e Richard Rodgers. Após “The Black Bottom”, por Perry Bradford, Vicky conta que sua personagem finalmente consegue ir para New York, imaginando que irá cantar para a “high society”. Temos então “The Peanut Vendor”, por Moises Simons e “My Melancholy Baby”, por Ernit Burnett e George A. Norton. Fechando com chave de ouro, Vicky (ou Judy) eternize "Swanee", por Gershwin (brilhante!) e Ceasar

“Swanee! How I love you, how I love you, my dear old Swanee. I'd give the world if I could only be sittin' on my mammy's knee. I love the old folks, I love the young folks. Oh my bunny, let me love ya more than Alabamy! Mammy, mammy, my dear old mammy, your wanderin' child will wander no more when I get to that Swanee shore!”



Então está aí, o meu momento de "A Star is Born", que ficará para sempre em minha memória: Judy em seu melhor, emocionando, transpirando talento, reafirmando que ali renascia uma estrela, sentada na beira de um palco, cantando a história de tantas outras... “So I can't quite be called overnight sensation, for it started many years ago, when I was born in a trunk at the Princess Theatre, in Pocatello, Idaho.”