Once upon a time in Camelot...

sexta-feira, 12 de março de 2010
Starting from the very beginning, a very good place to start”, quero falar-lhes sobre as obras que antecederam o musical Camelot, adaptado por Alan Jay Lerner e Frederick Loewe, dirigido por Moss Hart.
Peço desculpas antecipadamente, caso tenha cometido algum erro grave. O texto foi composto ontem de madrugada, à duras penas. 


Bem-vindos ao mundo "Arthuriano".

Segundo histórias e romances medievais, o famoso Rei Arthur foi um líder britânico que liderou a defesa da Grã-Bretanha contra as invasões saxônicas no início do século XVI. Devido à escassez de informações históricas que possam comprovar a veracidade dos acontecimentos, muitos questionam os detalhes acerca de sua figura, considerada por muitos uma lenda, uma personagem criada por intermédio da mente fértil de literários.
Um dos responsáveis pela eternalização de Arthur foi Geoffrey de Monmouth, com um livro em latim, de conteúdo pseudo-histórico chamado History of the Kings of Britain, completado em 1138. Em sua narrativa, Monmouth inclui Arthur na mesma linha cronológica em que outros dois livros, e incorpora a personagem de Uther Pendragon, o pai de Arthur, e seu conselheiro, o mago Merlin. O autor conta que ao se disfarçar de Gorlois, Uther dorme com a esposa de seu inimigo, e esta, conseqüentemente, concebe Arthur. O menino se torna órfão aos 15 anos de idade, sendo proclamado o Rei da Grã-Bretanha. A história de Geoffrey, bem como derivações da mesma, mostra-se fundamental para o surgimento de outros contos “Arthurianos” na Europa Continental nos séculos posteriores.
Corta para o século XX.
A influência destes contos “Arthurianos” foi fundamental à continuidade da lenda do Rei Arthur, inspirando obras romantizadas – que, em contraste às obras medievais, focavam nos valores como a igualdade e a democracia, assim como exploravam o triângulo amoroso entre Arthur, Guenevere e Lancelot – como, por exemplo, O Único e Eterno Rei, escrito pelo autor Terence Hanbury White.

O Único e Eterno Rei

Projetando uma narrativa que reflete opiniões pessoais do que o autor consideraria ser a sociedade ideal, e sob uma influência (mínima) de outro livro, chamado The Death of Arthur, cuja autoria é de Sir Mallory, T. H. White subdivide a história em quatro contos - A Espada na Pedra, A Rainha do Ar e das Sombras, O Cavaleiro Imperfeito e A Chama do Vento – relatando a trajetória de Arthur desde os tempos de infância até sua coroação à Rei, e depois, a iminente batalha travada com seu filho bastardo, Mordred. O quinto e último conto, conhecido como O livro de Merlin, só foi publicado na íntegra após a morte do autor

A primeira crônica, A Espada na Pedra, é um relato simples e juvenil, situando-se nos últimos anos do reinado de Uther Pendragon, expondo-nos à criação de Arthur – que, enquanto jovem era conhecido como “Wart”, porque rimava mais ou menos com Art, uma abreviatura de seu verdadeiro nome - sob a influência do pai adotivo, Sir Ector. Expõe também a relação de rivalidade e amizade travada com seu meio-irmão, Sir Kay; e ainda relata seu encontro com Merlin, o mago que vive numa cronologia invertida, e que por saber do destino do menino, o ensina, através de lições pouco ortodoxas, o que significa ser um bom rei.

Em A Rainha do Ar e das Sombras, Arthur é introduzindo ao clã Orkney e é subseqüentemente seduzido por sua meia-irmã Morgause, que concebe Mordred. Nesta crônica, apesar dos esforços do jovem rei para evitar que ocorram algumas revoltas iniciais, é por intermédio de Merlin que eles criam a Távola Redonda, sob o lema de que “A Força não é o Direito, a Força o Direito”, em prol da paz e prosperidade de Camelot.

Na terceira crônica, O Cavaleiro Imperfeito, o tom leve e juvenil modifica à medida que o foco se volta para o desfecho da história de amor entre Sir Lancelot e a Rainha Guenevere, explorando temáticas mais “obscuras”, como a infidelidade de ambos ao rei. Neste livro também é introduzida a personagem Elaine – Filha de Morgause e Lot, meia-irmã de Mordred – e que eventualmente se torna a mãe de Galahad, filho de Lancelot.

Por fim, vemos em A Chama do Vento, como o ódio de Mordred pelo seu pai, junto ao ódio de Agravaine (meio irmão de Mordred) por Sir Lancelot, causou a queda do Rei, da Rainha, seu amante, e da paz e prosperidade que um dia havia sido instalada no reino de Camelot.

Dos Livros à Broadway
Primeira Leitura de Camelot. D. para E: Roddy McDowall, Robert Coote, Richard Burton, Julie Andrews, Robert Goulet, David Hurst, Michael Clark-Laurence. 

O ano era de 1959, quando a dupla de escritores-compositores Alan Jay Lerner e Frederick Loewe decidiu adaptar as crônicas de T. H. White para o seu mais novo projeto. Tendo em vista o sucesso esmagador de My Fair Lady, que antecedia esta adaptação, e com um elenco de peso que além de ter a nova queridinha da Broadway (leia-se Julie Andrews) como protagonista, junto a Richard Burton, Roddy McDowall, e o estado-unidense de voz e porte físico sensacionais (leia-se Robert Goulet), presumia-se que o sucesso da primeira experiência se repetiria facilmente na segunda.
Como realidade e ficção funcionam em ordens diferentes,a realidade escolheu ser mais dura com aqueles envolvidos na adaptação de Camelot. Ema série de problemas, ambos de ordem pessoal quanto profissional, tomou conta da produção.
Questões como a duração do musical precisavam ser solucionadas. Conta-se que a primeira exibição do espetáculo, que ocorreu em Toronto, levou quase quatro horas e meia de duração. Não muito tempo depois, Alan Jay Lerner foi internado com hemorragia interna, decorrente de uma úlcera perfurada. A seguir, o diretor Moss Hart sofreu um ataque cardíaco, deixando Lerner como responsável pela produção durante o período de exibições-testes off-Broadway. Após o acontecido, o musical foi levado ao público de Boston, com uma hora e meia a menos de duração, e ainda sim permanecia sendo considerado como demasiadamente longo. Não obstante, fazia-se necessário encontrar um novo diretor, visto que Lerner e Loewe não conseguiam chegar a um denominador comum para as dificuldades que lhes eram apresentadas, e Lerner se negava a fazer grandes alterações sem o aval de Moss Hart, que ainda se encontrava internado no hospital.
Após a estréia oficial de Camelot no Majestic Theater na Broadway, em 03 de Dezembro de 1960, o espetáculo continuou sendo re-trabalhado por Lerner e Moss Hart, que se encontrava em recuperação do seu estado de saúde.
Julie também comenta em sua autobiografia que, graças ao intermédio de Ed Sullivan ao convidar Lerner & Loewe para criar um segmento em seu programa, que a princípio seria um especial de celebração de 05 anos de My Fair Lady, as vendas dos bilhetes de Camelot alavancaram e atingiram um nível de vendas antecipadas sem precedentes.
Camelot recebeu críticas de todos os gêneros, mas uma opinião que parecia ser unânime se centrava nas diferenças gritantes entre o primeiro e segunda ato: Enquanto o primeiro possuía uma narrativa alegre e inconseqüente, o segundo ato amadurecia brutalmente, adquirindo uma tonalidade sóbria e dramática, tendo em vista a tragédia que provinha do triângulo entre o Rei Arthur, Guenevere e Lancelot.

 
Richard Burton, Julie Andrews e Moss Hart na figura à esquerda. Julie Andrews e Moss Hart, à direita.

Aliás, esta diferença entre os dois atos levou a muitos associarem o musical à administração de John F. Kennedy. Após o assassinato do presidente, foi divulgado que ele gostava de dormir escutando a música-tema da peça, e que sua parte favorita é exatamente o diálogo que selecionei no post anterior, extraído da reprise de Camelot, cantada nos momentos finais.
 Jacqueline Kennedy convocou T. H. White para que ele pudesse tomar nota em uma entrevista, a qual segmentos foram publicados pela Life Magazine em 1963, onde ela diz que, “À noite, antes de irmos dormir... nós tinhamos uma Vitrola antiga. Jack gostava de colocar alguns álbuns pra tocar. A costa dele doía, e o chão era muito gelado. Eu saía da cama à noite pra pôr o vinil, mesmo quando estava tão frio que era quase impossível alguém sair da cama... em uma vitrola que já tinha dez anos de uso — e a canção que ele mais amava vinha no final do álbum, o último lado de Camelot, triste Camelot. ‘Don't let it be forgot, that once there was a spot, for one brief shining moment that was known as Camelot...’ Nunca mais haverá outra Camelot...” Essa associação também se deve ao fato de que Camelot, além de uma história de amor, é um símbolo de esperança, da verdade e de valores como a lealdade.

 
John F. Kennedy à esquerda. Julie e Robert Goulet, em cena, à direita.

Outro ponto a ser revisado foi o “love affair” entre Lancelot e Guenevere e que a princípio foi mantido. Mas Julie Andrews conta que durante as cinco primeiras semanas de ensaio, tornou-se óbvio que a sua personagem terminaria sendo odiada por muitos, caso ela transgredisse os votos de lealdade feitos ao marido, Rei Arthur. Ficou claro, então, que a história precisaria ser revisada, de maneira que Guenevere permanecesse fiel a Arthur, apesar de nutrir um amor por Lancelot. De todo modo, a modificação só serviu para dar reforço à maturidade e dramaticidade do segundo ato.

Tribulações a parte, a trilha sonora era inegavelmente excelente. Em uma crítica escrita por Scott Miller, ele nos diz: “Alan Jay Lerner extraiu estas letras de um local onde ele preserva as aspirações da humanidade, e apesar das deficiências do musical, isto é o que sustenta a produção.” De fato, as melodias possuem vivacidade e exuberância, e suas letras expressam paixão e liberdade de espírito. Baladas como If Ever I would Leave you e Before I Gaze At You Again se consagraram como grandes hits da dupla.

Richard Burton e Julie Andrews na estréia oficial de Camelot, à esquerda. Richard e Julie, nos ensaios do espetáculo, à direita.

Richard Burton e Roddy McDowall deixaram a produção de Camelot em Setembro de 1961, para ingressar nas filmagens do longa, Cleópatra. A última apresentação de Julie Andrews foi em 14 de Abril de 1962. Camelot encerrou suas apresentações na Broadway em 05 de Janeiro de 1963, totalizando 873 apresentações, arrematando cinco indicações ao Tony Awards, das quais saiu como vencedor de quatro – Melhor Ator em um Musical, Melhor Design Cênico, Melhor Figurino, Melhor Condutor e Diretor Musical.

Explicando a narrativa do musical

O primeiro ato se inicia em uma manhã de inverno, onde pode se escutar o som da marcha da corte do Rei Arthur se aproximando para saudar a chegada de Guinevere, a noiva do Rei. Todos estão à postos, exceto o próprio Arthur (Richard Burton), que está tão ansioso pelo prospecto do casamento arranjado, se esconde em uma árvore na floresta, e põe-se a cantar I Wonder What The King is Doing Tonight.
Similarmente, a noiva Guenevere (Julie Andrews), que está sendo consumida por sentimentos parecidos com o de Arthur, se desguia de sua comitiva, e ao se esconder na floresta se pergunta onde estão The Simple Joys of Maidenhood.
Arthur e Guenevere se conhecem, mas não se reconhecem. Arthur se apresenta como Wart, seu apelido de infância, e põe-se a descrever os prazeres de vida em Camelot. Em seguida, o comitê os encontra e a identidade de Arthur é revelada. Ele então lhe explica os adventos que o tornaram rei, e Guenevere, encantada, concorda com o casamento. Enquanto isto, o tutor de Arthur, mago Merlin, está sendo afastado de Camelot pela ninfa Nimue, que canta Follow Me, e o leva a sua caverna, para que ele possa dormir o sono eterno.
Arthur, lembrando do seu aprendizado com Merlin, descobre que é melhor optar por um reino pacífico, e procurando instaurar a tranqüilidade e justiça ao seu domínio, cria a Távola Redonda. As notícias sobre a criação da ordem chegam até a França, aos ouvidos de Lancelot (Robert Goulet), que se locomove à cidade de Camelot, para que possa proclamar as suas intenções através da canção C'est Moi.
Chegadas as festividades do mês de Maio, onde são celebradas em The Lusty Month of May, e que por tradição ocorrem nos pátios do castelo, Arthur apresenta Lancelot a Guenevere e sua corte.
Lancelot apresenta uma atitude insuportável e todos tomam antipatia imediata pelo francês, inclusive a Rainha, cuja antipatia que vai tão longe, a ponto de instigar a discórdia, incentivando três cavaleiros - Sir Lionel, Sir Sagramore e Sir Dinadan - da Távola Redonda a desafiarem Lancelot a uma "jousting", cantando Than You May Take Me To The Fair. O Rei é incapaz de compreender o comportamento de sua rainha, e tenta dissuadi-la de sua posição contra Lancelot, mas ela se mostra inflexível, levando-o a se perguntar How To Handle a Woman.
Lancelot sai vitorioso no "jousting", e exibe um estranho poder de pureza e de fé que aos poucos ganha o respeito da corte. Seus sentimentos em relação Guenevere rapidamente se transformam em um amor profundo, mas silencioso, em face à sua grande afeição por Arthur. Para facilitar o seu conflito de emoções, Lancelot pede licença a Arthur para que ele possa partir, e Guenevere, que após o acontecido é forçada a reavaliar seus sentimentos em relação a Lancelot, se descobre apaixonada, e se pergunta o que pode acontecer Before I Gaze At You Again.
Dois anos mais tarde Lancelot retorna, e é nomeado Cavaleiro da Távola Redonda por Arthur.

Arthur e Guenevere, à esquerda. Lancelot e Guenevere, à direita.

O segundo ato retorna com Lancelot revelando seu amor em If Ever I Would Leave You. Apesar de seus esforços conjuntos para manter a paixão às escuras, Arthur está ciente dos seus sentimentos e escolhe preservar-se em silêncio, visando a paz em Camelot.
É quando Mordred, filho ilegítimo de Arthur, chega para tentar desonrar o rei, a fim de ascender ao trono. Mordred detesta os sonhos de paz e honra de seu pai, e o zomba explicitamente em The Seven Deadly Virtues. E Guenevere, que ainda permanece fiel ao Arthur, tenta ajudá-lo a diminuir o peso de suas costas, em What Do The Simple Folk Do.
Enquanto um espírito de inquietude se instala sobre os Cavaleiros da Távola Redonda, que cansados do constante estado de paz, expressam sua revolta em Fie on Goodness! Arthur fica preso na floresta encantada de Morgan Le Fey, devido a um feitiço de Mordred, e Lancelot vai a quarto de Guinevere, onde ela confessa I Loved You Once in Silence. Nem um beijo é trocado pelo casal, mas Mordred, acompanhado de um grupo de cavaleiros, os encontra e acusa a Rainha de traição. Lancelot consegue escapar, mas Guenevere é presa e condenada à fogueira, sob esta jurisdição que Arthur tinha lutado para estabelecer. Cantam a música Guenevere.
Ao fim, Lancelot aparece para resgatá-la e leva-la à França, e Arthur é finalmente forçado a declarar guerra contra seu amigo. Pouco antes da batalha final, ele encontra os dois e generosamente os perdoa, mas já é tarde para que eles possam viver o romance; Guenevere vira freira e Lancelot é banido.
Momentos antes do início da batalha, Arthur descobre um jovem clandestino de 14 anos chamado Tom, cuja aspiraçào é de unir-se à Távola Redonda. Arthur nomeia o garoto no campo, e manda que ele retorne à Inglaterra, encarregando-o de quando crescer, contar para a próxima geração a história dos valores nobres e ideais que existiram em Camelot (Reprise).

Comentários de Julie Andrews relacionados à Camelot, extraídos de sua autobiografia, "Home: A Memoir of My Early Years."
 

[...] Durante a nossa última semana em Boston, Alan (Jay Lerner) decidiu que Guenevere precisava de uma canção que pudesse traduzir seus sentimentos em relação  a despedida entre ela e Lancelot. Ele me explicou que só teria tempo de escrever a letra da música na noite da nossa primeira exibição prévia em Nova Iorque, e me perguntou como eu me sentia em relação a isso. Eu aprendo rápido, e devido às constantes modificações durante a produção, eu já havia me acostumado a lidar com essas situações. Além do mais, Alan andava tão estressado que eu não teria coragem de ter criado caso, mesmo que quisesse, e eu não poderia recusar a chance de cantar uma nova e linda canção. A única coisa que lhe pedi foi que me entregasse a música assim que ele pudesse.
Ocorreram duas prévias em Nova Iorque, antes da estréia oficial, e na noite anterior à primeira eu recebi minha canção. Chamava-se Before I Gaze At You Again - uma balada simples, porém bonita. Fritz (Frederick Loewe) já havia orquestrado-a, então eu a aprendi, ensaiei e no mesmo dia a música foi incluída no espetáculo. Esta é uma canção que conquistou um lugar especial no meu coração.
Camelot estreou em um sábado, no dia 3 de Dezembro de 1960, no Majestic Theater em Nova Iorque. O espetáculo chegou à cidade apresentando muitos problemas, mas demos o nosso melhor. Nosso diretor, Moss Hart, que já havia sido liberado do hospital, descansava em casa e infelizmente não pode estar conosco.
Quanto às críticas, elas eram adequadas mas não eram maravilhosas. Em minha opinião, se Camelot tivesse sido produzido antes de My Fair Lady, teria tido o sucesso que merecia. Contudo, as comparações entre os dois espetáculos parecia ser inevitável. Cada crítico possuía uma opinião diferente em relação ao que seria necessário acrescentar ou modificar em Camelot - enquanto um dizia que a temática devia ter sido mais abrangente, outro dizia que o final trágico deveria ter sido omitido. A maioria aparentava ter ficado perturbado por não ter compreendido a diferença entre os dois atos.
Nós entendíamos essas críticas até certo ponto, mas ficávamos tristes porque em decorrência de todas as dificuldades que surgiram, nunca pudemos refinar o espetáculo do jeito que ele realmente merecia. No entanto, nunca percebemos alguma reação negativa que partisse da platéia [...]
Camelot ainda era muito extenso e todos nós sofríamos os reflexos dessa longa duração, mas era um prazer imenso trabalhar com Richard, Roddy e Robert. Similarmente a Rex em My Fair Lady, Richard era um ator consumado, e eu aprendia algo novo com ele todas as noites. Assim, desenvolvemos uma amizade bonita.
[...] Richard dizia a mim, “Hoje à noite eu farei a platéia chorar quando eu der o grande discurso,” e eu o assistia hipnotizando a platéia de tal maneira, que se uma pessoa derrubasse uma agulha no chão, seria possível escutar o barulho. Na noite seguinte ele interpretaria a mesma cena com um tom cômico, e faria a platéia rir, exatamente do jeito que ele havia planejado. Eram exercícios de controle muito impressionantes, e independente do que ele fizesse no palco, tudo se tornava mágico. Até mesmo nas noites em que ele estava extremamente embriagado, ele era capaz de extrair alguma coisa com seus truques teatrais. [...]
Inspirado pela atuação de Richard, Goulet começou a inserir maneirismos típicos de Burton à sua atuação, dando um tom Shakesperiano a Lancelot [...] Em verdade eu suspeito que todos os rapazes da peça engrandeceram-se um pouco mais e se tornaram mais nobres ao  assistir a atuação de Richard.
A voz de Bobby Goulet era um instrumento fenomenal, e sua aparência física extremamente atraente o transformava na epítome de um verdadeiro ídolo de matinês. Eu sentava todas as noites no palco enquanto ele cantava If Ever I Would Leave You, vestido de collant na cor azul-royal, meias e botas, e eu, tentando desesperadamente me concentrar na personagem, me achava pensando, 'Meu Deus, as pernas dele são divinas!'
[..] Haviam dois cães sendo usado no espetáculo, que alternavam o papel de Horrid, o cachorro do Rei Pellinore. [...] Um era mais dócil,  porém menos esperto que o outro, e costumava ficar quase sempre de standby. O outro, usado mais freqüentemente, era mais inteligente, porém neurótico. Quase toda semana ele tinha dores de barriga. (Robert) Cooter, que interpretava o papel do Rei Pellinore, se divertia ao me provocar, aparecendo no meu camarim antes das cortinas se abrirem, sussurrando, 'Apenas achei que você gostaria de saber que Horrid está com dor de barriga de novo!'
Nossos trajes medievais possuíam pedaços longos de tecido, com capas, caudas, e mangas longas. E toda vez que Horrid se aliviava no próprio palco, Richard, Cooter e Goulet se divertiam ao enrolar suas longas capas sob os braços para que pudessem desviar do campo minado, sabendo muito bem que eu iria rir de suas traquinagens.
Uma noite, Horrid escolheu se “aliviar” pouco antes de eu cantar The Lusty Month of May. Os meninos que faziam parte do coro me balançavam em seus braços, e as moças dançavam alegremente com guirlandas e arcos. Antecipando a música, eu começava a lembrar a letra na minha cabeça, que dizia ‘Maio, o mês onde todos perdem seu autocontrole’, e eu simplesmente não podia terminar de falar. Os meninos quase me deixaram cair de tanto que riamos da situação. Se nada mais, Horrid era um mestre de timing.
Bobby Goulet também gostava de aprontar algumas. Lancelot e Guenevere nunca trocaram um beijo durante a peça, mas uma certa vez ele me agarrou durante um dos espetáculos, e me beijou apaixonadamente, transferindo com prazer a sua bala de menta para a minha boca. Na hora eu fiquei furiosa com ele por ter ele feito algo que não era característico de sua personagem, e que era algo de tão pouco profissionalismo, na frente da platéia, e assim que eu saí do palco, disparei correndo atrás dele teatro abaixo, até chegar ao porão, batendo nele o mais forte que podia, perguntando 'Como você pôde?'
Ele adorou cada segundo, e pra ser bem franca, eu também. [...]

~~~*~~~

Camelot ainda foi adaptado para o cinema em 1967, com Vanessa Redgrave interpretando Guenevere, Richard Harris como Rei Arthur, e Franco Nero como Lancelot. Hoje a história de Excalibur, do mago Merlin, do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda perpetuam através de crônicas como As Brumas de Avalon, obra da escritora americana Marion Zimmer Bradley, e das obras de Bernard Cornwell.

5 comentários:

  1. Oi, Lorena!

    Uau, menina, que texto incrível! Está de gozação comigo que escreveu-o de madrugada? Muito bom mesmo!
    Então minha impressão sobre o espetáculo se efetivou. Não imaginava, mesmo, que fossem transferir para o musical o tom picante da fábula, tom que tanto agradava os ouvidos medievais. Dá pra entender também porque a história foi alvo de censura por parte da crítica. O triângulo amoroso é fundamental para a degradação do reino - se ele não se efetiva, então não há degradação. A introdução do filho bastardo de Arthur como vilão tira a força da peça - não há como odiarmos suficientemente um vilão a quem acabamos de ser apresentados. Não é a toa que a Julie tenha adorado tanto o beijo apaixonado que ganhou de Lancelot (safadinha!...) - ele repunha na história o conteúdo mais importante da lenda, que ela deixara de lado.
    A alteração acabou por tirar o conteúdo humano do drama, porém, foi fundamental para salvar a imagem de mocinha da estrela. Também não se pode negar que isso era importante para a própria manutenção da atração que ela exercia sobre as plateias.
    Você já viu "Lancelot" dos anos 90, com Julia Ormond, Sean Connery e Richard Gere? Recomendo! Eles também capricham no beijo responsável pela destruição do reino!
    Agora, vou lá fuçar o trecho do Dante onde ele fala sobre os amantes que foram pro inferno (o convento não ajudou Guinevere a expiar seus pecados...). Se eu o encontrar, posto no comentário.
    A propósito, Julie está deslumbrante como Guinevere. Nunca a vi tão linda assim.

    Bjocas e parabéns. Essa noite você vai ter que dormir mais cedo, hein! hehehe
    Dani

  1. Lorena, encontrei, no canto 5 do inferno de Dante, a narração do encontro que o poeta tem com todos os amantes desaventurados da tradição.
    Dante os encontra num círculo do inferno sendo arrastados por ventos devastadores - ventos que representam a leviandade de suas almas de traidores. Porém, isso não impede o poeta de se apiedar pelos seus sofrimentos. Tanto que, no final do ato, cai desmaiado de comoção ao ouvir suas histórias.
    Vou digitar um trecho em que Paolo conta ao poeta como ele e a cunhada se entregaram um ao outro. Eles liam o trecho da história de Lancelot e Guinevere em que os amantes se beijavam...:

    "Por passatempo eu lia o meu dileto
    De Lanceloto extremos namorados;
    Éramos sós, de corações quieto.
    Nossos olhos, por vezes encontrados,
    Cessam de ler, ao gesto a cor mudara.
    Um ponto só deu causa aos nossos fados.
    Ao lermos que nos lábios osculara
    O desejado riso o heroico amante,
    Este, que mais de mim se não separa,
    A boca me beijou todo tremante,
    De Galeotto fez o autor e o escrito.
    Em ler não fomos nesse dia avante." (...)

    Não é bonito?

    Beijocas

  1. Ah, Dani, é que o horário que eu chego em casa é entre 22:00 e 22:30. Até que eu tome banho, troque de roupa e tudo mais, já se passou uma hora. Como eu não consigo chegar em casa e dormir, por mais cansada que eu esteja, então não requer muito para que eu fique até mais tarde no computador. E quando vi o seu comentário do post anterior, eu pensei que poderia só descrever a narrativa do musical, mas a medida que fui escrevendo, as informações começaram a vir à memória. Comecei a fuçar no meu material pra confirmar algumas coisas e quando o sono bateu, já tinha escrito o grosso do texto. Hoje de manhã passei algumas fotos do livro da Julie no scanner, e terminei de traduzir alguns dos trechos que eu retirei da autobiografia. Depois foi só postar. ;)
    Fico satisfeita que você tenha gostado! E devo dizer que concordo com a sua colocação quanto ao desfecho da história. Mas acho que a decisão de modificar o love affair foi um consenso dos produtores e atores envolvidos.

    Particularmente, criei um certo fascínio pela história de Lancelot e Guenevere. A propósito, adorei o "safadinha", se referindo a Julie!
    Inclusive, achei muito bonito parte de texto que você postou.

  1. Oie, Lorena!
    Poxa, então você foi dormir tarde mesmo. Está me lembrando uma pessoa que também não desiste de uma coisa quando a coloca na cabeça (eu...).
    Muito bom mesmo o seu post! As informações sobre os bastidores nos ajudam a construir a época - a recepção dos espetáculos, os objetivos dele. É algo fascinante.
    Os musicais da Broadway da época eram ainda conservadores - como, aliás, era a sociedade. Eles iriam, mesmo, comprar briga se colocassem em cena o triângulo amoroso. Por outro lado, acabaram modificando a lenda. O par romântico por excelência dessa fábula é Guinevere e Lancelot, e não Guinevere e o rei Arthur. Enfim...
    Aliás, a Julie anda superando minhas espectativas. Quem a viu no sensual "Cortina rasgada" (lembra-se dela seminua na cama com Paul Newman?) nem se lembra da mocinha pura de "Noviça rebelde". Legal saber que ela não era pudica, afinal, os artistas têm que dar tudo de si para desempenharem o papel com qualidade.

    Bjocas e inté logo!
    Dani

  1. Ai, Cortina Rasgada... A primeira vez que o assisti, lembro que quase morri de inveja naquela cena de abertura onde Julie e Paul estão na cama.

    Eu realmente acho que a Julie não era/é pudica. Lendo entrevistas antigas e recentes, alguns dos seus comentários me fazem acreditar exatamente no contrário. Mas quando criam uma certa imagem de alguém, este alguém está fadado a ficar estigmatizado mesmo. ;)

    Beijos e bom fim-de-semana!

Postar um comentário